AS BLUSAS-VERDES E AS MARCHADEIRAS. MOVIMENTOS DE MULHERES E DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NOS ANOS 30 E 60 Autora: Lidia M. V. Possas

Resumo: Compreender as manifestações políticas das mulheres no atual cenário nacional analisando
a historicidade e complexidade dos movimento de mulheres, suas contradições frente às
ações femininas/feministas no espaço publico e político. Para tanto pontuo os anos 30,
com as “blusas verdes” e 60 com as “marchadeiras” evidenciando como esses movimentos
de natureza conservadores e de tendências fascistas assumiram ações organizadas e agindo
na contra mão dos espaços democráticos e das lutas pela ampliação de diretos e de
participação política defendendo a manutenção de um status quo, das permanências de
práticas femininas tradicionais. Aquelas mulheres vivendo em conjunturas de maior
visibilidade feminina e de resistências aos governos autoritários assumiram
posicionamentos refreando os avanços que estavam em jogo, contribuindo para o refluxo
diante da conquista de direitos e de equidade de gênero.

Disponível em: http://www.revistadeantropologia.es/Textos/N3/As%20blusas%20verdes%20e%20as%20marchadeiras.pdf

Visita da Assessora da Secretaria de Gênero da Organização Nacional de Cegos do Brasil no LIEG

Essa semana recebemos a visita da Nara Franciele Maldonado, assessora da Secretaria de Gênero da Organização Nacional de Cegos do Brasil.

A Organização Nacional de Cegos do Brasil – ONCB, surgiu do processo de unificação das instituições nacionais representativas do movimento social das pessoas com deficiência visual. Foi fundada em 27 de julho de 2008 com o consenso das entidades brasileiras, sendo uma instituição não-governamental e sem fins lucrativos. (disponível em http://www.oncb.org.br/node/7/ )

Depois de assumir o cargo ela veio ao Lieg procurar informações sobre o assunto e nos contou das dificuldades em abordar o assunto na organização, e em se trabalhar com mulheres deficientes visuais devido a sua dificuldade de locomoção.

A parceria se iniciará com uma pesquisa de dados para sabermos quantos homens e mulheres são assistidas (os) pela organização nas suas filiais.

Teremos mais uma valiosa contribuição para o nosso grupo.

Artigo: “As mulheres muçulmanas precisam realmente de salvação? Reflexões antropológicas sobre o relativismo cultural e seus Outros” IN: Revista Estudos Feministas, Vol 20 N. 2/2012 Autora: Lila Abu-Lughod Universidade de Columbia

Este artigo explora a ética da atual “Guerra ao Terrorismo”, perguntando se a
antropologia, disciplina dedicada a entender a diferença cultural e a lidar com ela, pode nos
fornecer apoio crítico para as justificações feitas sobre a intervenção no Afeganistão em termos
de liberar ou salvar mulheres afegãs. Eu observo primeiramente os perigos da cultura de
reificação, aparente nas tendências de afixar ícones culturais claros como as mulheres
muçulmanas sobre confusas dinâmicas históricas e políticas. Posteriormente, chamando atenção
para as ressonâncias entre discursos contemporâneos sobre igualdade, liberdade e direitos
com antigos discursos coloniais e retórica missionária sobre mulheres muçulmanas, eu
argumento que, em vez disso, nós precisamos desenvolver uma séria avaliação das diferenças
entre as mulheres no mundo – como produtos de histórias diferentes, expressões de diferentes
circunstâncias e manifestações de desejos distintamente estruturados. Além disso, eu argumento
que, em vez de buscar “salvar” outros (com a superioridade que isso implica e as violências que
acarretaria), talvez fosse melhor pensarmos em termos de (1) trabalhar com elas nas situações
que reconhecemos como sempre sujeitas a transformações históricas e (2) considerar nossas
próprias e maiores responsabilidades para indicar as formas de injustiça global que são
poderosas formadoras dos mundos nas quais elas se encontram. Eu desenvolvo muito desses
argumentos a respeito dos limites do “relativismo cultural” através de uma consideração da
burca e dos vários significados dos véus no mundo muçulmano.

Revista Estudos de Sociologia – Revista Semestral do Departamento de Sociologia e Programa de Pós-Graduação em Sociologia. FLC – Unesp – Araraquara – v.17 – n.32 – 1º semestre de 2012.

Lucila Scavone – Unesp, Universidade Estadual Paulista, FCL/Ar, SP

Dossiê: aborto, objeto da pesquisa social

Apresentação – Lucila Scavone

O aborto sob o olhar da religião: um objeto à procura de autor@s – Maria José Fontenelas Rosado-Nunes

Entre julgar e escutar: sexualidade e aborto em um bairro popular – Carmem Susana Tornquist, Denise Soares Miguel e Gláucia de Oliveira Assis

Práticas sexuais, contracepção e aborto provocado entre mulheres das camadas populares de Salvador – Cecília Maria Bacellar Sardenberg

Artigos

Políticas públicas e investimento social: quais as consequências para a cidadania social das mulheres? – Jane Jenson (autora) e Michèle Nahas (tradutora)

Feminismo e política: dos anos 60 aos nossos dias – Maria Lygia Quartim de Moraes

Memórias da militância: reconstruções da resistência política feminina à ditadura civil-militar brasileira – Danielle Tega

Violência doméstica: Centro de Referência da Mulher “Heleieth Saffioti” – Gisele Rocha Côrtes

Relatos singulares, experiências compartilhadas: mulheres chefes de família no Brasil, na França e no Japão sob o prisma da raça/etnia/nacionalidade, classe e idade – Yumi Garcia dos Santos

Ética do cuidar e relações de gênero? Práticas familiares e representações da divisão do tempo – Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti, Claudia de Faria Barbosa e Bárbara Maria dos Santos Caldeira

Questões de gênero e a experiência da loucura na Antiguidade e na Idade Média – Rosimar Serena Siqueira Esquinsani e Jarbas Dametto

Desejos, conflitos e preconceitos na invenção de si: história de uma travesti no mundo da prostituição – Paulo Reis dos Santos

Corpo e identidades femininas: a intermediação da mídia – Ana Lúcia Castro e Juliana do Prado

Resenha

Diálogos em construção: estudo sobre gênero nas ditaduras do Cone Sul – Lina Maria Brandão de Aras

Resistências, gênero e feminismos contra as ditaduras no Cone Sul/ organização Joana Maria Pedro, Cristina Scheibe Wolff e Ana Maria Veiga. – Florianópolis: Ed. Mulheres, 2011.

Sumário:

Apresentação

1. A pesquisa sobre gênero, feminismos e ditaduras no Cone Sul: um relato de viagens e
algumas reflexões
– Joana Maria Pedro e Cristina Scheibe Wolff  

Feminismos em tempos de ditadura

2. Um mosaico de discursos: redes e fragmentos nos movimentos feministas de Brasil e
Argentina
Ana Maria Veiga

3. A questão do trabalho doméstico: recortes do Brasil e da Argentina Soraia Carolina de
Mello

4. Sexualidade e erotismo nas páginas dos periódicos feministas (Brasil e Argentina –
décadas de 1970 e 1980)
– Luciana Rosar Fornazari Klanovicz e Maria Cristina de Oliveira
Athayde

5. Leituras feministas de O Segundo Sexo no Brasil e na Argentina – Joana Vieira Borges

6. Entre o feminismo e a esquerda: contradições de embates da dupla-militância Isabel
Cristina Hentz e Ana Maria Veiga

7. Mulheres operárias na Argentina e no Brasil: uma análise de jornais da década de 1970
Gisele Maria da Silva

8. Movimentos feministas e Igreja Católica: uma análise comparativa de periódicos
Gabriela Miranda Marques

Repressão, revolução e cultura

9. Os Nunca más no Cone Sul: gênero e repressão política (1984-1991) – Mariana Joffily

10. Mulheres em guarda contra a repressão Ana Rita Fonteles Duarte

11. Trajetórias de mulheres em movimentos sociais no campo: comparações entre Brasil e
Paraguai (1960-1989)
– Larissa Viegas de Mello Freitas

12. A participação das mulheres na luta armada do Cone Sul Andrei Martin San Pablo
Kotchergenko 

13. Falar de si, falar de nós: performances e feminilidades alternativas no teatro sul-
americano (1975-1984)
Gabriel Felipe Jacomel

14. Nas ruas e na imprensa: mulheres em movimento durante as ditaduras militares no
Brasil e no Chile
Karina Janz Woitowicz e Joana Maria Pedro

15. Fé e relações de gênero nas esquerdas cristãs: Brasil e Chile no contexto das ditaduras
latino-americanas
Priscila Carboneri de Sena e Vivian Barbosa Moretti

16. Gênero, sacrifício e moral nos grupos de esquerda armada (Brasil e Argentina dos anos
1960 aos 1980)
Lilian Back

17. Sujeitos e amores: relações pessoais e revolução Sergio Luis Schlatter Junior

Artigos Cultura & Gênero: HEMMINGS, Clare. Contando estórias feministas.

Este artigo, da professora da London School of Economics Clare Hemmings, identifica e analisa as estórias dominantes que acadêmico/as contam a respeito do desenvolvimento da segunda onda da teoria feminista ocidental. Através do exame da produção recente de publicações interdisciplinares feministas e de teoria cultural, a autora sugere que, a despeito de uma retórica insistente sobre múltiplos feminismos, as trajetórias feministas ocidentais emergem de forma surpreendentemente singular. A autora critica, particularmente, uma narrativa insistente que vê o desenvolvimento do pensamento feminista como uma marcha incansável de progresso ou perda. Essa abordagem dominante simplifica a complexa história dos feminismos ocidentais, fixa autoras e perspectivas dentro de uma década específica e, repetida e erroneamente, posiciona feministas pós-estruturalistas como as ‘primeiras’ a desafiar a categoria “mulher” como sujeito e objeto do conhecimento feminista. Ao invés de propor uma história corretiva da teoria feminista ocidental, o artigo questiona as técnicas através das quais essa narrativa dominante é garantida, apesar de que tenhamos (se referindo às teóricas feministas) consciência disso. O foco da autora, então, recai sobre padrões de citações, recortes discursivos e alguns de seus efeitos textuais, teóricos e políticos. Como alternativa, Claire sugere um realinhamento das principais teóricas (aquelas que efetuaram uma interrupção crítica na teoria feminista) com seus traços feministas no uso de citações, forçando assim o concomitante re-imaginar de nosso legado histórico e de nosso lugar dentro dele.

(texto extraído do resumo da autora)

https://www.culturaegenero.com.br/wp-content/uploads/2012/05/HEMMINGS-Clare-Contando-estórias-feministas.pdf

Educação deve ser um instrumento para conscientização sobre as questões de gênero

De acordo com Lidia Maria Vianna Possas, coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero (LIEG), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) no campus Marília, as diferenças de gênero são  construções culturais e não biológicas. Neste sentido, a escola, arraigada as tradições e  modelos curriculares pré-fabricados, acaba estimulando e reforçando os papéis de gênero.

Para Lídia, embora o empoderamento das mulheres e o acesso à informação venham desnaturalizando tais papéis, a sociedade ainda enfrenta muitos desafios na busca de maior equidade de gênero.

Mobilizadores COEP – A partir de que idade, as crianças começam a experienciar as diferenças de gênero?


R.:
Não se pode determinar de forma precisa. Isso varia muito dependendo da criança, da família, das experiências e do estímulo externo que a criança recebe.  No entanto, no Projeto de Extensão*1 que o Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero (LIEG) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) realizou, com um universo de 12 escolas públicas na cidade de Matília , com crianças de Educação Infantil, percebeu-se que, no primeiro ciclo, com crianças de até 5, 6 anos, essa distinção nõa existenão há uma distinção: menino pega espelho rosa, pulseiras; menina pega bola; eles fazem escolhas e assumem funções  sem  a diferenciação de objetos que possam traduzir diferenças de gênero.

Isso começa a aparecer a partir do momento que a criança passa a ser estimulada a refletir sobre seu meio através de brincadeiras e atividades que as separam por gênero.  Um exemplo são as histórias infantis. Nós trabalhamos, na pesquisa, com a história da Cinderela, em que a menina do borralho é vista como pobrezinha, coitadinha, submissa, frágil. As professoras não têm ideia de como uma história infantil, clássica, como essa, pode ser uma referência de papéis femininos. A moça boa submissa, que aceita ofensas, esta casa. As moças mais de temperamento mais forte são vistas como feias e punidas com o não casamento.

Cria-se, assim, a associação: moça boa casa; moça ruim não casa. Cria-se o estereótipo da solteirona, que, hoje em dia, está um pouco relativizado no nosso universo, pois não é tão mais exigido que a mulher se case. Mas ainda existe este questionamento das mulheres. Aquelas que assumem postura de liderança, o que chamamos de empoderamento, acabam afastadas do modelo imaginário, simbólico, que os homens (não todos) esperam de uma mulher. Ainda escutamos frases como “Não sei se a mulher ganhou com todas essas conquistas, pois acabamos fazendo tudo e ficando sozinhas”. Percebe-se um questionamento da própria mulher em relação ao valor dessas conquistas.


Mobilizadores COEP – A escola, então, estimula as diferenças de gênero?


R.:
Sim. A escola identifica e reforça os papéis de gênero. Os professores ficam à mercê de modelos curriculares pré-fabricados, que reforçam os papéis normativos tradicionais do homem e da mulher na sociedade. Como? Nas atividades desenvolvidas, nas brincadeiras, no ato de contar histórias, na forma de conduzir suas aulas. Da mesma forma, as famílias também o fazem e acabam estranhando quando se quer trabalhar, na escola, as questões de gênero. Quando a família ou a escola reforça os papéis de gênero, são criadas expectativas que, muitas vezes, as crianças não têm. As crianças e jovens absorvem esses estereótipos e passam a reproduzi-los no dia a dia.


Acredito que muito da dubiedade sexual seja decorrente disso. Muitas vezes, um menino é sensível, emotivo, e, devido aos modelos que lhe são apresentados, fica envergonhado de ser assim. Tive alunos extremamente afetivos que não eram homossexuais, mas eram tidos pela classe como sendo. Viver com a diversidade é complicado, pois nossa cultura é muito ambivalente: isso é certo ou errado, isso é branco ou preto. Não percebemos as nuances. A realidade é muito mais múltipla do que as características que nos foram doadas e informadas através do conhecimento científico. É preciso saber viver com a pluralidade.

Mobilizadores COEP – Como é determinado o gênero de uma pessoa?


R.:
Não é o fundamento biológico que determina o gênero. Você constrói identidades femininas e masculinas. Você não nasce mulher; você não nasce homem. Então, dependendo da formação que recebe das figuras maternas e paternas e da influência da sociedade, que ainda é muito sexista, ou seja, afirma os papéis biológicos de gênero, o jovem vai lidar melhor ou não com as diferenças de gênero. Hoje em dia, há uma tendência a diminuir a prevalência dessa formação sexista, com o movimento gay, manifestações culturais como o hip hop, o teatro etc. O acesso à informação vem desnaturalizando esses papéis de gênero.


Mobilizadores COEP – Até que ponto a violência doméstica é um reflexo das diferenças de gênero?


R.:
Quando você exacerba o papel masculino, o homem não argumenta, ele bate, ele aumenta a voz, ele se altera. A mulher, historicamente, foi acostumada a aceitar, submissa, a violência, seja física ou psicológica, por parte do homem. As delegacias das mulheres foram criadas, em 1985, justamente como um espaço para deixar as mulheres mais à vontade para denunciar a violência doméstica. Com a Lei Maria da Penha*2, as denúncias aumentaram, mas ainda são poucas. Todos os dias temos estatísticas de violência doméstica.

Mobilizadores COEP – Neste sentido, como vai ser o trabalho do LIEG com as delegacias da mulher em Marília e Maringá?


R.:
O trabalho vai envolver a Coordenadoria de Políticas Públicas para as Mulheres , a Delegacia  da Mulher e o Comitê Assessor  no município de Marília e de Maringá. Vamos implementar um trabalho de pesquisa para subsidiar as  políticas públicas. A universidade vai sair do seu gueto acadêmico e partir para a ação, colaborando para um maior respeito entre os gêneros, a equidade de gênero.

Mobilizadores COEP – Que ações podem ser implementadas para a maior equidade de gênero?


R.:
Levando o tema para dentro da escola, para que não se reforcem os estereótipos. Mudando, por exemplo, os papéis num teatrinho, em que meninos e meninas não atuem em funções predefinidas como de homens ou de mulheres; repensando as histórias infantis, seus finais, e estimulando o debate sobre o assunto. A Educação é um campo fértil e deve ser usada para a conscientização sobre as questões de gênero. É capaz de provocar mudanças significativas na maneira de ver e estar num mundo cada vez mais plural. Mas não é só um trabalho pedagógico. É um trabalho também de políticas públicas, que deve envolver toda a sociedade, a imprensa, sempre verbalizando que as práticas sexistas não são naturais e sim culturais.


Acabei de ver um filme de Walt Disney – Rapunzel –. em Digital 3D, que me impressionou. A principal protagonista não se apresenta dócil, e por deduções e raciocínios, consegue descobrir que é a filha do rei e que fora raptada. Ela enfrenta a bruxa…com argumentos e um comportamento de decisão… Vale a pena ver essa reconstrução do desenho na versão 2010
O nome  Rapunzel mudou para  Tangled. O quê? É! O nome do filme foi recentemente modifcado para Tangled [Embaraçado, Enrolado], por tirar o foco da personagem clássica e permitir que um herói masculino Flynn Rider (inspiração direta do inesquecível Errol Flynn) entrasse com mais força na história [ele já existia, devo dizer]. Desqualifiquou-se, assim,  o filme como produto totalmente feminino para atrair outros públicos. Ou seja, a Disney quer fazer filmes para toda a família, assim como a Pixar, em vez de focar somente nas meninas.
http://www.soshollywood.com.br/disney-cria-rapunzel-para-meninos/

Mobilizadores COEP – Hoje, com as mulheres mais atuantes no mercado de trabalho, houve mudanças?


R.:
Sem dúvida. No entanto, embora as mulheres estejam emponderando, acabam, muitas vezes, assumindo comportamentos masculinos. O poder ainda traz características muito masculinas, o pragmatismo, a racionalidade associada a visão monolíotica e linaer dos problemas , calculismo rieza. As mulheres têm que empoderar, mas encontrar seu tom.

Mobilizadores COEP – De que forma o COEP pode contribuir para diminuir as diferenças de gênero nas comunidades onde atua?


R.:
Se o COEP começar a colocar luz sobre essas questões, que estão periféricas nas comunidades, já é um grande passo. Não podemos entrar numa comunidade a criticando, pois podemos ferir valores, crenças. É preciso estimular o debate sobre o assunto e fazer com que a própria comunidade traga à tona seus preconceitos, seus estereótipos, para que ela mesma repense a forma como vive, como interage e encontre novos caminhos, em que a equidade de gênero esteja mais presente.

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*Durante 2010, ocorreu o módulo 1, intitulado “Gênero na Escola: aprimorando conceitos e discutindo práticas”. O projeto reuniu dados sobre a presença de práticas sexistas no ensino infantil e fundamental.

** A lei número 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, foi decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em 7 de agosto de 2006. Dentre as várias mudanças promovidas pela lei está o aumento no rigor das punições das agressões contra a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar.

Entrevista do Grupo Gênero, Combate à Discriminação e Grupos Populacionais
Concedida à:
Renata Olivieri
Editada por: Eliane Araujo

Data: 8/6/2011

Feminização da carreira docente é reflexo de educação sexista

Da Redação do Portal Aprendiz

“A educação sexista define que as mulheres são boas para determinadas atividades, e não são boas para outras”. A afirmação é da pesquisadora da ONG Ação Educativa e coordenadora do estudo “Gênero e Educação no Brasil”, Denise Carreira, durante audiência pública sobre preconceitos e discriminações na educação brasileira, realizada na quarta-feira (4/5), na Câmara dos Deputados, segundo informações do Portal R7.

Na ocasião, foi apresentada versão parcial do estudo desenvolvido pela Ação Educativa, que mapeou o papel da mulher na educação do país. Segundo a pesquisa, 97% dos educadores infantis são mulheres. O estudo aponta que ainda predomina a ideia que profissões como professoras e assistentes sociais são mais adequadas às mulheres por vocação.

Para Denise, o fato de o mercado de trabalho ser menos favorável a elas — que, por exemplo, recebem salários menores — está ligado com a citada vocação, estimulada desde a escola. A coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero (Lieg) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Lídia Possas, concorda. “Quando os estereótipos são mantidos na escola, os alunos absorvem e passam a reproduzir no cotidiano”, analisou.

Para a professora e pesquisadora do assunto há 20 anos, Tânia Brabo, muitos ainda “acham que há profissões que são de homens e, portanto, mulheres não podem escolhê-las.”

“Dentro da sala de aula, os professores falam de cores e brinquedos de meninos e meninas, separam as crianças em filas por gênero, bem como em atividades diferenciadas. Na aula de educação física, fica evidente a separação” exemplificou Tânia.

De acordo com ela, a história ensinada nas escolas não evidencia como as mulheres contribuíram para os progressos das sociedades. “Passamos a não ter direitos, porque todo o modelo não contemplou a mulher como deveria. Se a professora não tem consciência dessa invisibilidade, vai tratar a situação como natural, não possibilitando a discussão. A prática pedagógica precisa mudar nesse quesito de gêneros”, concluiu.

Entrevista da Semana: Lidia Maria Possas

Historiadora nascida no Rio de Janeiro, feminista, professora, doutora em História Social, mãe e avó abre sua casa ao JC para contar um pouco da sua vida
Karla Beraldo
Uma mulher com M maiúsculo

Desde 1983 o endereço é o mesmo. E quem atravessa a porta da casa da historiadora Lidia Maria Possas é recebido por uma coleção de souvenirs, miniaturas, enfeites, livros e quadros. Para alguns, um monte de coisas acumuladas que dificultam a limpeza. Para ela, tudo que a revela ser quem é. Mais do que a soma de lembranças, são histórias.

História de uma mulher nascida na cidade do Rio de Janeiro, feminista, mãe de três filhas e que veio para Bauru na década de 1980, na companhia do marido, médico falecido em 2006. Uma mulher que além de Lidia é Maria, daquelas da geração nascida pelas mãos de parteiras e cujo risco levava as mães a, por meio do batismo, clamar a proteção de Nossa Senhora.

História de uma mulher que graduou-se pela Universidade Federal Fluminense, concluiu o mestrado na Universidade Estadual Paulista e se fez doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. Autora do livro “Mulheres, Trens e Trilhos”, é uma mulher que dedica a carreira acadêmica a descobrir, entender, celebrar e defender outras mulheres. Enfim, uma mulher com “eme” maiúsculo.

Confira a seguir os principais trechos de um delicioso bate-papo de quase duas horas. Uma dica da reportagem e da entrevistada: faça isso na companhia de um bom vinho!

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Jornal da Cidade – Logo “de cara” você me explicou a razão do seu nome. É mania de historiadora?

Lidia Possas – A partir do momento que você faz história, adentra essa área do conhecimento, você vê que tudo tem uma explicação. Reconhecendo que nada é natural, que somos produto de um processo histórico, de escolhas, eu quero saber o por quê de tudo. A gente naturaliza muito as coisas, mas tudo tem um enigma a ser decifrado. A área da história leva você estar atenta ao querer entender o porque das coisas.

JC – Percebi que sua casa é repleta de souvenirs. É apegada às lembranças?

Lidia – É um jeito de reservar a memória que é identidade e que, por sua vez, é construída por meio das lembranças. Deve ser por isso que eu tenho tantas coleções, de rolhas e rótulos de vinhos, bolachas de cerveja, canecas, telefones. Também não deixo de trazer coisas de todos os lugares para os quais viajo. Todas essas coisas contam e revelam quem eu sou, são os elementos que mostram um pouco de mim, do meu perfil. Uma pessoa sem memória não existe. Não quero viver de passado, não quero voltar a nenhum desses lugares ou momentos que estão nas fotos, por exemplo. Mas eu quero viver o hoje tendo guardado essas lembranças.

JC – Gosta de viajar?

Lidia – Ultimamente não estou viajando por hobby. As minhas viagens ocorrem nos intervalos de trabalho, quando vou para congressos. Os últimos foram no México, Portugal e Espanha. Agora em junho estou me programando para ir para Nova York para um casamento. Estou louca para conhecer, porque será daqueles típicos casamentos americanos que acontecem durante o dia, com aquelas madrinhas todas velhinhas vestidas de rosa. Vamos eu e minha irmã.

JC – Ela é quem costuma ser sua companheira de viagem?

Lidia – Ela me acompanha bastante, mas sempre brinca, “lembre-se que não sou viúva” (risos). Meu cunhado é ótimo. Ele vai com a gente, mas por compromissos de trabalho, não pode ficar muitos dias, então ele volta e nós ficamos. Éramos em três, mas perdi meu irmão em 2000. Sempre fomos muito unidos, inseparáveis, agora ficou só ela, minha querida companheira. Mas viajo bastante sozinha também.

JC – Se não são as viagens, qual o seu hobby?

Lidia – Acho que no momento é tomar vinho. Eu sou presidente de uma confraria feminina de vinhos. Criamos o grupo em 2007 e, no total, somos 12 mulheres de diversas profissões. Definimos áreas de estudo de vinhos e nos reunimos uma vez por mês para aprender sobre cada uma dessas áreas.

JC – Onde e como costumam ser esses encontros?

Lidia – Às vezes aqui em casa ou na de alguma outra integrante da confraria, mas, ultimamente, a gente tem se reunido em restaurantes. Escolhemos o lugar e o restaurante faz o cardápio em função dos vinhos que nós estamos estudando. Mês passado estudamos os vinhos brancos e tintos da Califórnia, que são o top do novo mundo. Estamos explorando primeiro os países da América, depois vamos para o sul da África e Austrália, para só depois partimos para os vinhos tradicionais do velho mundo.

JC – Qual o principal prazer no estudo do vinho?

Lidia – Ninguém toma vinho igual. É bom conhecer como o francês, o português, o espanhol bebem vinho, porque são hábitos que revelam práticas culturais. O que eu acho interessante no vinho é que você aperfeiçoa o seu paladar, aroma, o olfato. Cada vinho tem um aroma, uma cor diferente e é lindo descobrir isso. Além disso, isso é filosofia minha, o papo de vinho não é igual ao de cerveja.

JC – E qual é a sua “filosofia de bar”? (risos)

Lidia – Não é que eu não goste de cerveja. Eu gosto, principalmente no calor, tem dia que vinho não desce. Mas eu acho que o papo com o vinho é mais intimista, você quer conhecer o outro, é um papo mais sensível. O papo da cerveja é o papo da gargalhada, de falar besteira, contar piada.

JC – E como veio parar em Bauru?

Lidia – Eu me casei no Rio e o Eldo e eu viemos para a região em 1974, porque ele foi convidado para ser médico em Iacanga. Resolvi vir assim meio pioneira mas foi a melhor coisa que eu fiz na vida. Em 83 nos mudamos para Bauru, porque resolvemos que não dava para ficar mais tempo em Iacanga porque as meninas estavam crescendo e elas precisavam de uma educação um pouco mais cuidadosa.

JC – Começou a dar aulas cedo?

Lidia – Em 77 surgiu um concurso, eu entrei no Estado e consegui escolher Iacanga. Depois trabalhei na Divisão Regional com ensino supletivo. Em 85 fui convidada a ser professora de história do brasil da USC, onde fiquei por 10 anos até ingressar na Unesp. Nessa época eu ainda era doutoranda da USP.

JC – E atualmente?

Lidia – Eu coordeno um laboratório de estudos de gênero, na Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp de Marília.

JC – Quando descobriu as mulheres como campo de pesquisa?

Lidia – Já foi no mestrado, envolvida pelo movimento feminista que demorou a entrar nas universidades brasileiras. Foi um feminismo de segunda ordem, mais abrangente e não o da Betty Friedman, de querer ser igual ao homem. Um movimento de mulheres que queriam ser respeitadas como mulheres e como ser humano. Mas foi do doutorado que nasceu meu livro “Mulheres, Trens e Trilhos”, sobre o impacto da implantação das ferrovias paulistas na sociedade conservadora do interior do Estado.

JC – Assumir-se feminista assusta as pessoas, ainda hoje?

Lidia – Espanta um pouco, mas eu faço questão de dizer, não para provocar, mas para perceber o quanto essa palavra ser feminista está carregada de esteriótipo. As palavras estão impregnadas de sentido e significado construídos por determinadas épocas. Quando eu falo que sou feminista hoje, não estou dizendo que sou feminista da primeira onda, que queimava sutiã em praça pública. Naquele momento elas queriam ser iguais aos homens porque elas não eram sujeitos de direito. Mas se você trouxer o feminismo para hoje é justamente a luta pelo respeito à cidadania, aos direitos humanos. Temos o direito de ser tratados de uma forma de equidade de gêneros: homens e mulheres, com as suas diferenças, são todos cidadãos. Muitos acham que as mulheres modernas estão fora do lugar e eu não aceito isso. Porque a pergunta seria: qual é o nosso lugar? É em casa, cuidando dos filhos, seria na esfera privada? Nosso lugar é onde temos competência de estar. E para isso as mulheres tem que dar o couro.

JC – Você teve que abrir mão de muitas coisas em função da carreira?

Lidia – Hoje me sinto muito mais profissional, porque minhas filhas já estão encaminhadas. Mas já me prejudiquei muito. Eu fui fazer minha pós-graduação aos 47 anos, porque eu não tinha com quem deixar as meninas em Bauru, não tinha família aqui. Então, foi um conflito pessoal grande como mulher. Minha filha ia estudar na casa das coleguinhas e via as mães em casa, fazendo o lanchinho da tarde e cadê a mãe dela? Quando as coleguinhas vinham em casa, eu não estava, estava trabalhando. Elas tinham um modelo exemplar de mãe e eu tentava explicar para elas que existiam outras formas de ser mãe. Porque eu não era aquela que fazia o docinho, levava na escola. Não era e não queria ser essa mãe, porque eu tinha ainda desejos.

JC – Para você, qual o maior desafio da mulher moderna?

Lidia – É ela conseguir desnaturalizar os papéis tradicionais que lhes são colocados. É conciliar essas funções tradicionais que estão muito impregnadas. Se você me perguntar: “você casaria?”. Sim, eu queria casar, adoro ser mãe, tenho orgulho das minhas três filhas. Mas, ao mesmo tempo, para eu conseguir fugir do padrão, desnaturalizar aquela mãe que foi a minha mãe, não foi fácil. E esse é o grande desafio da mulher moderna: encontrar uma forma de ser uma mulher competente, autônoma e ainda conciliar com as funções domésticas. Mas só vai conseguir vencer esse desafio se os homens também aceitarem isso, colaborarem. Se o casal conseguir conciliar não vai ter conflito, os papéis passarão a ser revistos.

JC – Qual a mulher que mais admira?

Lidia – Ah, tem várias. Tenho uma admiração muito grande pela Indira Gandhi. Outra é a somaliana Ayaan Hirsi Ali; cada momento eu me apaixono por uma: Maria Antonieta, redescobri recentemente a princesa Isabel. Agora, uma que eu tenho paixão mesmo é a Frida Kahlo. Tenho lido bastante biografias de mulheres, que tem ganhado bastante investimento da produção editorial. È uma luz que está se colocando sobre o protagonismo feminino. Temos a Dilma no poder, eu votei nela, estou apostando e acho que ela está fazendo um baita de um governo. Ela sabe que não pode errar. Um erro, as pessoas vão falar: “está vendo, mulher no poder”.

JC – Considera-se uma mulher realizada?

Lidia – Plenamente. Hoje eu posso dizer isso, com os meus bons anos vividos, muito bem casada. Casei com um machão, que se transformou (risos). Ele falava “você casou com um machista e eu casei com uma mulher que não era feminista, mas que se transformou e criou três”.

JC – Você tem medo de envelhecer?

Lidia – Tenho, mas não envelhecer no sentido de aparência, mas no sentido do físico debilitar, de eu perder a minha capacidade de autonomia intelectual, de andar, de escolha, de poder dirigir, de sair. Esse é meu receio, ter que depender de terceiros. Porque aí você morre. O envelhecer é morrer em vida.