Dia Internacional da Mulher

Universidade em cena: na defesa da equidade de gênero junto às instituições!

Manifestação estudantil por uma educação não-sexista em Santiago, capital do Chile; no cartaz se lê: “A educação será feminista ou não será” – Nadia Martínez

“Uma das coisas que aprendi com o feminismo foi a suspeitar de tudo, dado que os paradigmas que são adotados em muitos âmbitos acadêmicos estão sustentados em visões e lógicas masculinas, classistas, racistas e sexistas.” (Ochy Curiel)

Em 1975, o dia 8 de março foi adotado pela ONU como Dia Internacional da Mulher, tendo como objetivo celebrar as conquistas sociais, econômicas e políticas das mulheres ao redor do mundo. Hoje, quase 50 anos depois, como podemos refletir sobre essas conquistas?

Quando pensamos em conquistas das mulheres, não podemos nos esquecer do papel crucial da educação. E hoje podemos dizer que a presença feminina no ensino superior foi alcançada: segundo o INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, já em 2017 as mulheres predominavam em cursos superiores no Brasil, uma conquista que caminha junto com uma resistência de um espaço acadêmico historicamente masculino e patriarcal, movimento que revelou que conflitos existentes em todas as esferas da sociedade se repetem de forma sistêmica no interior das instituições de ensino, como assédio e violência de gênero.

De acordo com pesquisa do jornal Distintas Latitudes (2019), realizada em 100 universidades da América Latina, 60% dessas instituições de ensino superior carecem de políticas para lidar com denúncias de assédio sexual. O Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero /LIEG reconhece essas dificuldades das instituições e por isso tem se debruçado sobre o estudo de medidas de combate à violência de gênero e assédio sexual, que para o procurador regional do trabalho Raimundo Simão de Melo pode ser reconhecido como “o constrangimento com conotação sexual no ambiente de trabalho, em que, como regra, o agente utiliza sua posição hierárquica superior ou sua influência para obter o que deseja”.

A antropóloga Heloísa Buarque de Almeida, docente da USP, fala da existência de um currículo oculto na universidade: “numa universidade aberta à entrada das mulheres nas mais diferentes áreas acadêmicas e profissionais – e em que o número de mulheres tende a ultrapassar o de homens – uma espécie de currículo oculto é posto em ação. Trata-se de um mecanismo de manutenção e reprodução de hierarquias, num processo de naturalização do impulso e da predação sexual como atitudes normais – mesmo entre homens dos cursos mais elitizados do país. Numa certa medida, se expressa assim como as desigualdades de gênero se reproduzem entre as elites universitárias”.

A crescente visibilidade para esse assunto que anteriormente se mantinha entre as paredes da universidade criou uma mobilização interna e externa para mudanças de políticas institucionais e pedagógicas. Nós do LIEG reconhecemos ser necessário ampliar as pesquisas e refletir sobre as práticas existentes que sustentam os comportamentos abusivos, de modo a fundamentar a criação de políticas de prevenção, enfrentamento e sensibilização da comunidade acadêmica como um todo (docentes, estudantes e funcionários), fornecendo subsídios e conteúdo para ações pedagógicas visando enfrentar a “mecânica institucional” descrita por Sara Ahmed em seu livro Complaint!, que impede a denúncia de caminhar em um sistema feito para travá-la.

Nesse sentido, a UNESP tem avançado, visando combater os trâmites institucionais que dificultam o enfrentamento do assédio e da violência de gênero no espaço acadêmico. Em 26 de julho de 2022 foi criada a Portaria nº 68, que “institui a Política Educativa de Enfrentamento ao assédio moral, assédio sexual, importunação sexual, formas de discriminações e preconceitos em relação à origem, cor, gênero, orientação sexual, religião ou crença, nível socioeconômico, condição corporal física ou psíquica no âmbito da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP”.

Essa portaria também levou à criação da Comissão Central de Acolhimento da Unesp, que pretende ser um centro de apoio e ajuda para pessoas vítimas de violências, que geralmente estão vulneráveis e em sofrimento, e começou a atuar em março desse ano, como noticiado no Portal da Unesp. Para a professora Claudia Maria de Lima, ouvidora geral da Unesp e atual presidente da comissão, as pessoas que necessitam de auxílio se encontram fragilizadas, e o papel dos integrantes da comissão é oferecer suporte para que as vítimas tenham ferramentas para lidar com a situação traumática vivenciada. Para Claudia, “a intenção é mostrar que existem alternativas dentro do contexto universitário, desde a remarcação de uma prova ou até a transferência de unidade estudantil. Por isso que o atendimento se baseia numa escuta e apontamento de encaminhamentos possíveis nos âmbitos social, acadêmico, de saúde e legal, que incluem a orientação sobre medidas protetivas, aspectos médicos em redes de apoio, assistência social e jurídica.”

Com medidas como essas,  entendemos ser possível  pensar na transformação da universidade em um espaço que não apenas abre suas portas às mulheres e demais minorias, mas sim que possibilita que essas mesmas pessoas permaneçam e prosperem nesse ambiente, sem que abusos, violências e silenciamentos impeçam que se estabeleça uma educação realmente libertadora, acolhedora e feminista.

 Palavras do LIEG em homenagem ao Dia Internacional da Mulher.